BACURAU EM FORMA DE ESQUADRÃO DE GUERRA

José de Melo Carvalho

Era domingo de carnaval, aproximadamente 10 horas da manhã. A direção do Bloco do Bacurau estava bastante preocupada porque notara a ausência apenas de um dos seus componentes. Alguns comentavam, à boca pequena, que o faltoso certamente se perdera no jogo de baralho da tenda de Seu Oscar, na noite do sábado anterior, esquecendo o compromisso assumido com o bloco.

João de Seu Alberto, portando um longo relho com ponteira de metal, montado numa burra alugada de um senhor da Rua do Sebo, reclamava do cumprimento do horário estabelecido. Era ele quem comandava a formação da equipe, imitando um esquadrão ao estilo dos romanos antigos, quando de suas históricas batalhas ou guerras.

No coice da burra (termo no linguajar matuto que quer dizer atrás), vinha Zé Ormindo, travestido de Ney Mato Grosso da cabeça aos pés; depois a dupla Cara Veia e Lobinho, à direita, que conduzia a faixa tradicional com os dizeres – BACURAU, DESDE 1910. Logo após, a direção do bloco: eu, o autor desta matéria, João Neto de Dirce, ao centro, e Lobão (Arquimedes), à direita.

Após a diretoria, a formação era de quatro componentes em filas indianas, até terminar em Raposo, centralizado, de boné na cabeça, portando o estandarte e uma espada de madeira feita por Abelardo na tenda de Seu Luiz Bemvinda, seu pai. Vardo Cuiuiú estava próximo a Raposo, como sócio convidado.

A concentração, feita nesse dia, ao lado da Praça de Sebastião Jiló e Dona Maria, no início da nossa Rua Nova. Toda vizinhança, às portas e janelas, como o Dr. João Yôyô e irmãs, Seu Abdon numa cadeira, na sorveteria, Zé Aciole e família no primeiro andar, além de vários curiosos que observavam a movimentação e a organização do Bloco do Bacurau. Nisso, chega o último componente do bloco, retardatário, logo admoestado pelos responsáveis do grupo carnavalesco.

A ordem foi dada a João de Seu Alberto. Depois de suas reclamações, cutucou a burra em direção à Praça de São Pedro. Paulo Dom, sendo o primeiro da fila indiana, à direita, com a tuba, deu o toque inicial de avançar, seguido pelo toque do bumbo, este a cargo de Capela, o retardatário do grupo, que estava na primeira fila, à direta. Tum, tum, tum, tum, tum. Zé Ormindo, imitando o Ney, executava passos maravilhosos, largos, de samba carnavalesco. Seguia com aquelas piruetas engraçadas, como se estivesse em desfile de escola de samba do Rio de Janeiro, a ser avaliado com nota 9,9 em cada um dos dez quesitos, pelos jurados.

Seu Peduca, Dona Isaura, Ernande e Mary, do primeiro andar da residência, faziam gestos de aprovação da turma. Logo à frente, Seu Doroteu, da porta de sua casa também acompanhava o grande desfile. Zé Ormindo aproxima-se dele, sem ordem da direção, estirando o beiço vermelho de batom, canta em alto volume parte da música do citado cantor: da cor do pecado, uuuuu. Seu Doroteu, parente do componente, imediatamente aponta o dedo e diz: “Você pensa que não sei quem é você? Amanhã falo com Zefa, seu cachorro!”

A turma seguia em frente, cantando o hino: “Bacurau tá no oco do pau, bacurau tá no oco do pau.”

Na esquina do beco da Casa Milhões, estava o proprietário do estabelecimento, o maestro Miguel Bulhões, preocupado com a tuba que havia emprestado ao bloco. Quando Paulo de Seu Linduarte (Paulo Dom) ia passando, ele avançou o passo rapidamente, mostrando a tuba, dizendo: “Muito cuidado com esse instrumento, meu filho!”

Da janela e calçada de sua casa tio Zé Constantino e Déu acompanhavam o passar do esquadrão. Em frente, Dona Jovelina e Seu João Clarindo faziam o mesmo.

Como era tradição, quase todos os moradores da Rua Nova estavam ansiosos à espera da passagem demorada do Bloco. Uns batiam palmas, outros riam. Mais um pouco à frente, à porta da bodega, estava Seu Felizdoro, com olhar de reprovação para Dona Bila, que vibrava com o bloco, batendo demoradas palmas para Vadinho, seu neto, também presente no meio da cambada.

Mais um pouco, estávamos em frente à residência e estabelecimento comercial de Seu Zé Maximiano, sempre aboletado em sua tradicional espreguiçadeira, lendo a Gazeta de Alagoas. Zé Ormindo repete a mesma cena que fizera com o seu tio Doroteu há pouco tempo, sendo, desta vez, com o som a estremecer a rua. Nisso, o leitor do jornal, abusado, diz: “Respeite os mais velhos, seu moleque!” Seu Conrado, a rir, acompanhava com a família a passagem do bloco, pois boa parte dos carnavalescos eram seus alunos.

“Bacurau tá no oco do pau.” tum, tum, tum. 0 bloco se movimentava com Zé Ormindo dando show, fazendo graça.

Na bifurcação da Rua Nova, entramos à direita, na Rua do Sebo. Paulo Ferreira aguardava o bloco. Foi uma maravilha. Tira gosto pra todo lado e a cana rolou a valer. Elenice divertia-se. Ao seu lado, Eunice e Doutora Vera. À saída, Seu Carrito, por tradição, entregou a Raposo duas garrafas de pinga. Seguindo o itinerário, passamos pela casa de Seu Zerurbano. Com ele à porta estavam Glènia, Aderval e Dona Florzinha. Nisso, Raposo gritou: “Papa-figo!” De imediato, como resposta, disse ele: “É o c... da mãe!”. Imediatamente foi repreendido pelo pai, que disse de maneira severa: “Tenha educação, seu sem- vergonha!”

Tum, tum, tum, tum, e o bloco seguiu em frente. Tum, tum, tum. Tum

Antônio Januário, vizinho da família do padre Alberto, tinha uma mesa abarrotada de tira-gostos, ingredientes e bebidas alcoólicas. A moçada divertiu-se à vontade.
Tum, tum, tum, tum. “Bacurau tà no oco do pau.” Tum, tum, tum, tum.

À saída, Zé Ormindo, disse: “Obrigado, Tonho Bié!” Ele nunca gostou do apelido e respondeu: “Tonho Bié é a puta que o pariu!”

De passagem pela casa de Leôncio, ele e a mulher conferiam o bloco com olhos aguçados. De repente, grita Lobão: “Leôncio, cadê a riuna?” Ele respondeu com o dedo estirado: “Tá aqui guardada para esquentar com chumbo grosso o espinhaço de vagabundo.”

Voltamos para a concentração por trás da casa de Maria Zuza.

Amanhã, o bloco voltará a cumprir sua programação, sem prejuízo dos percursos. Tum, tum, tum, tum, “Bacurau tá no oco do pau.”

Maceió, maio 2021

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