LÍNGUA PORTUGUESA E JOSÉ ÁBDON

Djalma Carvalho

Há uma frase de Machado de Assis, bem conhecida, com o seguinte teor: “Vou deitar ao papel as reminiscências que me vierem vindo. Deste modo, viverei o que vivi.”
Sabe-se que todo idoso, como o cronista, gosta de relembranças, de reminiscências, seara das minhas veleidades literárias. Em razão disso, andei debruçado em pesquisa sobre a Língua Portuguesa.
Sobre o tema, que tratei em crônica inserida em livro que publiquei, a versão dos estudiosos remonta aos tempos idos e mostra a origem da nossa língua que está ligada à cidade antiga de Lácio, na Itália, cujo idioma falado era o latim, dividido em vulgar, do povão, e clássico, das elites cultas. O poeta brasileiro Olavo Bilac, no primeiro verso do soneto “Língua Portuguesa”, escreveu “Última flor do Lácio, inculta e bela”, confirmando a origem da Língua Portuguesa derivada do latim falado no Lácio.
Com a expansão do império romano e suas conquistas, o povo dominado era obrigado a falar o latim, que, misturado com a língua de origem, surgia outra, a exemplo dos dialetos.
Com a conquista da Lusitânia na Península Ibérica, do século 218 a 201 a. C.., o povo conquistado era os celtiberos – celtas + iberos. No estudo do surgimento do Português, a língua daquele povo vencido chamada de substrato se sobrepôs à do vencedor. A fusão das duas línguas - latim vulgar com o substrato dos celtiberos – originou o nosso português.
No antigo condado Portucalense (Portugal), que pertencera ao Reino de Leão e Castela, nosso idioma foi-se transformando com a influência de línguas dos outros conquistadores da península, depois dos romanos, como os árabes e os bárbaros.
Com o passar dos anos, algumas palavras caem em desuso, novas surgem e se tornam vocabulários oficiais, certamente aprovados pelas regras ortográficas da Academia Brasileira de Letras.
O assunto me leva ao túnel do tempo e me faz recordar a figura humana, bastante humorada e inteligente, de Zé Bidon, como assim era carinhosamente chamado José Ábdon Malta Marques por seus colegas do Banco do Brasil, agência de Santana do Ipanema, nossa cidade natal.
Era um autodidata, falava corretamente o português, tinha boa dicção e facilidade incrível de se expressar. Bom discurso, herança de família. Seu pai, político, fora vereador de vários mandatos. José Ábdon discutia quase todos os assuntos, desde política à economia, de futebol à religião. De sua preferência, como ninguém, tratava de marcas de automóvel.
Em julho de 1991, nos estúdios da emissora Rádio Santana FM, estive ao lado de José Ábdon, nessa época radialista, que entrevistava o escritor Oscar Silva. Referido escritor, cronista de escol, romancista e historiador, naquela oportunidade visitava pela última vez Santana do Ipanema, sua terra natal. Infelizmente, dias depois, soubemos a notícia do falecimento do renomado escritor santanense após retornar à cidade de Toledo, Paraná, onde residia.
José Ábdon possuía número expressivo de amigos, de Maceió a Penedo e de Palmeira dos Índios a Paulo Afonso. Todo o mundo o conhecia. Era obeso e não tinha jeito de fazer qualquer tipo de regime. Não se ligava muito a esse assunto.
Ao lado de companheiros de velhas farras e festas, ali estava José Ábdon sempre atento aos acontecimentos e às notícias do Brasil e do mundo. Trabalhamos juntos na mesma agência do Banco do Brasil durante vários anos. Aprovado em concurso interno para o nível superior, ele chegou à gerência de agência da instituição, aposentando-se pouco tempo depois.
Um fato engraçado me fez lembrar o colega. Certa vez, no aniversário de um dos meus sobrinhos, Régis ou Rayner, lá estava presente Zé Ábdon, todo à vontade. Ao retirar-se, o convidado Cícero Boião, que havia tomado “todas”, perguntou ao anfitrião quanto era a conta, que ele desejava pagar, como se ali estivesse num bar, num boteco. O lance fez com que Zé Ábdon desse uma gostosa gargalhada, momento em que sua cadeira se espatifava, levando o colega gordo ao chão.
Não chegou a concluir seu tratamento, tempo depois, em Salvador, Bahia, para redução de peso, tendo sido vítima de violento infarto. Com sua sabedoria e com riqueza de detalhes, Zé Ábdon deve estar junto à roda de amigos no celestial Plano Superior, tratando de tudo no Céu, como costumava fazê-lo aqui na Terra.

Maceió, maio/2023.

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