CHUVA, RELÂMPAGO, TROVÃO

Djalma Carvalho

Apreciando a leitura de bons livros, tenho em mão um exemplar de 100 Crônicas Escolhidas (Editora José Olympio, Rio, 2021), livro de autoria de Rachel de Queiroz, consagrada escritora cearense e primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras.
A crônica, já disse algumas vezes, tem sido meu gênero preferido, minha seara, na caminhada de minhas veleidades literárias.
Duas crônicas do livro me encantaram, entre tantas: “Mineiros” (páginas 105/118) e “Um Alpendre, uma Rede, um Açude” (páginas 89/91).
Em “Mineiros”, por exemplo, escrita em 1948, a autora descreve, com certo humor, vida e hábitos mineiros, observados durante passeio de três semanas que ela fizera à zona do ouro de Minas Gerais. Especificamente, a culinária e o jeito mesquinho de servir em pequenos pratos pelos hoteleiros de então; a fala mansa dos mineiros, que pouco diferia da do nordestino; e, sobre economia, acrescentou: “Os (mineiros) só dão valor neste mundo à posse tranquila dos bens visíveis – a terra, o gado, as casas e a simples e leal moeda.”
Em “Um Alpendre, uma Rede, um Açude”, a talentosa cronista acha-se no balanço da rede que a refresca do mormaço do interior do Ceará, no aconchego de sua fazenda chamada “Não me Deixes”. Ali, disse Rachel de Queiroz: “Só a paz, o silêncio, a preguiça.”
Lendo as duas crônicas, lembrei-me da viagem que eu fizera ao interior do Ceará, em abril de 1960, a serviço do Dnocs, acompanhado do motorista Guilherme, excelente profissional, alegre e prestativo companheiro de viagem. Pernoitamos em Quixadá, dormindo cada um em confortáveis redes da pousada. Embora soubesse que Rachel de Queiroz havia nascido em Fortaleza, apontaram-me uma casa na cidade, dizendo-me tratar-se de propriedade da escritora. Nessa noite, não consegui dormir tranquilo. Violenta tempestade resolvera desabar sobre a cidade, com incessantes relâmpagos e ribombar de trovões, que eu nunca tinha visto, ainda que nascido no Sítio Gravatá, interior de Santana do Ipanema.
No início de 1952, cursando a 3ª série do curso primário e muito jovem ainda, fui levado pelo meu saudoso tio Manoel Constantino à função de aprendiz de balconista de loja de tecidos em Santana do Ipanema. Aleatoriamente, ali, folheando a revista O Cruzeiro, li a crônica semanal intitulada “Última Página”, assinada por Rachel de Queiroz. Nessa famosa revista dos Diários Associados, e na mesma função literária, a cronista atuou de 1945 até 1975, quando a revista deixou de circular. Para minha surpresa e acanhamento, ouvi o gargalhar das colegas Hilda e Albertina Agra, também balconistas, corrigindo-me na pronúncia do nome da cronista, porque eu havia trocado o Q pelo X, chamando-a Raxel em lugar de Raquel. Minhas colegas não souberam explicar o porquê do CH com o som de Q no nome da romancista cearense.
Ora, Rachel é o mesmo que Raquel, nome que significa “ovelha mansa, pacificadora”, personagem bíblica, filha de Labão e esposa preferida de Jacó, neto de Abraão.
O saudoso gramático Eduardo Carlos Pereira (Gramática Expositiva, 83ª edição, 1952, página 25) tratou do assunto: “Os romanos deixaram de incluir no alfabeto, recebido dos gregos, quatro consoantes aspiradas, desnecessárias na formação das palavras latinas. O CH ficou com o som de X.” Também afirmou Celso Ferreira da Cunha (Gramática da Língua Portuguesa, FAE, Rio, 1986, página 65): “As letras CH representam uma só consoante, chamadas dígrafos, representada por X.”
Certamente, o nome Rachel teria sido de origem de alguma família peregrina. Há no Brasil, por exemplo, o sobrenome “Bloch” (pronunciado “Bloque”) pertencente a uma família de conhecidos atores de teatro, cinema e televisão.
Afinal, quanto ao nome Rachel, assim grafado, foi herdado de sua avó, também chamada Rachel. Algumas famílias brasileiras costumam homenagear, dessa forma, antepassados queridos, perpetuando sua memória.

Maceió, novembro de 2022.

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