O STF e os antidemocratas autoritários

Adriano Nunes

Direito é argumentação, mas não só. Há um formalismo necessário que, em um Estado de Direito democrático, impede arbitrariedades, abusos de poder, violências. O que fazer quando a própria democracia é atacada em seus pilares justamente por ser democracia? Como o judiciário e as demais instituições devem agir sem que engendrem ações que também firam o cerne democrático da civilidade, do todo social? É possível lidar com antidemocratas e ainda assim serem democráticos?

Esses questionamentos podem levar-nos a refletir mais além de um fato isolado: a prisão do deputado Daniel Silveira e das ações que se interrelacionaram diretamente com esse mesmo fato.

Penso que o primeiro ponto a ser debatido é a questão da liberdade de expressão e da liberdade parlamentar. Não há no Ordenamento Jurídico brasileiro um limite nítido que dite o que podem dizer, clamar, instigar, incitar um deputado federal ou um senador. Não havendo esse limite, parece que tudo pode. E, parecendo que tudo pode, pensa-se que a Constituição Federal deu poderes ilimitados a deputados e senadores. O que não é verdade. No entanto, os que são autoritários e antidemocráticos pensam que sim. A imunidade parlamentar precisa ser revista juridicamente e politicamente. É inadmissível do ponto de vista ético e jurídico que políticos criminosos possam estar na Casa do Povo e em nome do povo, protegidos por mil e uma artimanhas legais que os tornam praticamente intocáveis. Casta privilegiada, como outras, inclusive o próprio judiciário. Corporativismo e ativismo protecionistas amalgamam as estruturas dessas duas instituições que tentam, como podem, esquivar-se da crítica. E, se necessário, para manter privilégios, protegem-se mutuamente.

O segundo ponto é: por que em uma democracia há espaço livre, amplo, aberto para que autoritários e extremistas exerçam influência e tenham poder a ponto de corromper a própria democracia? Por que não há instrumentos restritivos e impeditivos que possam eficazmente agir contra os antidemocratas autoritários e extremistas? Será que ser civilizado e democrata é justamente tolerar o horror, a violência, os assaltos antidemocráticos, as intolerâncias dos intolerantes, os fanatismos, os revanchismos totalitários ad hoc? Tudo isso pode ser mesmo considerado respeito aos diferentes? Como aceitar manifestações públicas em favor da ditadura, da tortura, da pena de morte, do fascismo, do nazismo? Liberdade de expressão? É só mera questão de aceitabilidade e de diferença?

Agora, penso ser importante chegar à decisão da prisão. O fundamento da decisão não se confunde necessariamente com o seu formalismo. Estranha-se aquele mandado de prisão em flagrante de ofício. Excepcionalidade? Devemos ter cautela com atos assim, ainda que justificáveis. Tal prisão reflete a realidade política do país. Reflete as entranhas do judiciário e a polarização que se alastra pela vida civil e institucional. Medidas de forças? Controle constitucional para segurança nacional? Fiasco jurídico ante o desespero de não saber lidar corretamente com o fato? Revanchismo? Autoritarismo? Ou uma legitimidade jurídica de proteção à democracia?

Os argumentos apresentados justificavam prisão. Não "a prisão". Há uma diferença na tratativa interpretativa. A materialidade do direito expressa-se nas ameaças diretas e reiteradas ao STF, à democracia, à integridade física de cada ministro, a instigação à violência, à volta da ditadura, do AI-5 etc. Todavia, uma prisão em flagrante não se faz só de argumentos e materialidade. É mesmo irônico que, com a intenção democrática de coibir a apologia ao AI-5 e à ditadura militar, o STF tenha recorrido, com certa desmesura, à Lei de Segurança Nacional, fruto equivocado do período ditatorial, feita para impor a vontade autoritária do regime aos cidadãos e cidadãs, isto é, para legitimar abusos e arbitrariedades.

Devemos perguntar, também, algo que possivelmente deixou a sociedade civil e a esfera jurídica intrigadas: por que o delegado e a equipe de policiais que acompanhavam a ordem judicial permitiram que o preso fizesse uma live no quarto enquanto a equipe esperava na sala (segundo as palavras do próprio deputado!)? Isso configura crime continuado? Flagrante? Por que a mesma equipe permitiu que a Policial Civil fosse agredida verbalmente e ameaçada e não fez nada, de acordo com as imagens filmadas e as notícias divulgadas pelas mídias jornalísticas? Realmente, o Direito, em amplos sentidos, parece ser arte (ou astúcia) e não uma ciência. E justiça e democracia somente ideais que esperam pela razão, sabedoria, coerência, virtude, ética e serenidade dos moderados.

Adriano Nunes

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