Democracia: direito como discutibilidade e argumentação

Adriano Nunes

As leis devem ser interpretadas quase sempre. Esse "dever ser" da interpretação das leis reflete, de algum modo, não só os estados temporais da sociedade, mas também a necessidade da discutibilidade acerca das leis como um dos pilares democráticos. Seria estranho e inaceitável democraticamente que uma lei durasse ad aeternum, e a sociedade e os seus processos culturais, sociais, econômicos e políticos mudassem com o tempo. As leis imutáveis e indiscutíveis - incluindo as Leis Magnas - são características de sistemas totalitários. Pois bem: como as sociedades não são estáticas, o direito também não é. Há uma observação importante quanto às leis penais: a escassa possibilidade interpretativa e de analogia, para evitar violências, abusos, arbitrariedades, tribunais e julgamentos de exceção, injustiças. Desde Voltaire e Beccaria aprendemos bem essa lição quando se trata de leis que tocam o cerne da vida e da liberdade.

Dito isso, tomaremos 2 julgamentos pelo STF para compreender e explicar a importância da discutibilidade e da interpretação em um Estado democrático de direitos. Não há motivos para alarmes ou escândalos:

1. A votação acerca de uma possível reeleição de Alcolumbre e Maia. Como votou o STF? Apertado: 6 a 5 contra a reeleição! Guardem na memória esse número. Neste caso, 6 Ministros votaram sob o argumento da literalidade da lei. Veremos, adiante, que 5 desses mesmos Ministros, em outro julgamento importante, que tratava de uma cláusula pétrea, ignoraram a literalidade da lei. O que diz expressamente o texto constitucional? Afirma peremptoriamente a impossibilidade da reeleição em seu Artigo 57, Par. 4°. E por que, mesmo assim, 5 Ministros insistiram em votar a favor da reeleição? A primeira resposta pode parecer política, ideológica, partidária (o que não é de toda errada), todavia é na discutibilidade até das normas constitucionais que a democracia se faz presente. E ela se faz presente justamente na divergência jurídica. Seria aterrorizante para uma democracia que as votações fossem sempre 11 a O. Precisamos entender o porquê de muitas pessoas fazerem alarde e considerarem um escândalo tal votação que, de algum modo, foi contra a Constituição Federal. Tal alarde é por questões ideológicas, político-partidárias? Ou por questões jurídicas em nome da honra e da defesa da Constituição? O segundo caso pode ajudar-nos (ou não!) a compreender os ânimos exaltados contra o STF ou contra alguns dos seus Ministros. E claro: perceber a importância do direito ser interpretado e discutido.

2. Em abril de 2018, o STF rejeitou o pedido de habeas corpus preventivo do sr. Luiz Inácio (Lula), numa votação apertada por 6 a 5. Olha o número aí de novo! 5 dos votantes contra a literalidade da lei foram os 5 da votação anterior sob tal argumento. Também essa votação era plenamente contra o texto constitucional, pois o Artigo 5°, em seu Inciso LVII dita, sem deixar dúvidas, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Por mais que possamos ser a favor da prisão em condenação em segunda instância, não se pode deixar de reconhecer o que dita expressamente o texto constitucional. Por que muitos também não se escandalizaram com isso? Por que muitos até vibraram com essa prisão inconstitucional? Esses questionamentos são importantes porque mostram como a política e o direito podem servir à conveniência e às ideologias, andando de mãos dadas com a hipocrisia.


Adriano Nunes

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