UM QUADRO FAUVISTA & UMA GARRAFA CHARDONNAY

Crônicas

Por Marcello Ricardo Almeida (*)

Esta é a hora sagrada na qual a praia recebe jangadeiros. No mar, as ondas os carregam no balançar de Iemanjá.

Domingo à tarde, no shopping. Diferente do sábado-feira: entre toldas não se cobra estacionamento. E a rua é da crônica. Onde o gafanhoto apaixona-se pelas vastíssimas plantações, e o passarinho apaixona-se pelo ninho da passarinha. Onde a lavadeira apaixona-se pelo sabão, e o beija-flor apaixona-se pela flor nos iluminados cartazes do cinema. Vira-lata apaixona-se pela lata, e o pirilampo apaixona-se pela lâmpada; nem é primavera, e os caranguejos apaixonam-se pelo espelho. Formigas apaixonam-se pelo formigueiro. Domingo à tarde, no cinema.

A lavadeira Têmis entre panos de ganho, barras de sabão. Compulsórios pensamentos pululam na tela do cinema na cena patética que lembra “The Kid”, de Chaplin. Lavadeira Têmis bate roupas nas pedras, sob o sol do meio-dia.

Cajueiros de Zezito, cajueiros nas Areias. Os cajueiros ricos, cajueiros areias brancas, frondosos, no tempo avançam. Cores tingidas de nuvens d’água na paleta de cores de artistas retratados, artistas fauvistas. As cores ferozes retratam na tela as cores de aquarela sertanejas de sol-fornalha.

O pintor com pincel pra cima e pra baixo sobre os dias do ano. O pintor com pincel pra cima e pra baixo pintando a rua, pra cima e pra baixo pintando estradas, pintando a cidade igual a um ioiô pintando o amor.

E a lua (que você vê) à noite deslua. Às vezes, galhos e folhas cobrem-na por completo, e a lua, aluada, ressurge no vento. Enciumadas árvores agitam-se enfurecidas com a lua que se deslua, desfolheando as árvores, que são suas árvores entre galhos: a lua. O rápido farfalhar desmoita em pios no luar em gravidez crescente-amarelado. À boca da noite, vento sobre a lua é a música do blues, do xote, do xaxado.

E Zezito, estoico, vencida a batalha em Peloponeso. Idades antigas dos tempos heroicos. Tempo de mormaço, nas Areias Brancas. Nuvens de chuva, e a porteira tranca. Zezito, na rede. O pé de vento avança. Na Física Quântica, o tempo é só um triz.

Nunca vi um verde tão verde quanto o verde que vivi. Verde para ser verde há de ser verde-Brasil. Há verdes que não são verdes, porque o verde merece mais tinta do coração, na caixa de lápis a cor. O verde cobre a folha e o caderno, a mata ciliar e o mangue. O verde que o Brasil conserva não é tão verde quanto o verde que vi na floresta amazônica. Esta vida no planeta, todo dia é mais um dia ao beija-flor, à borboleta. E o preço do amor hiberna felicidade nesta nave Terra. Todo dia surge o sol. E onde está o canto ao novo dia todo dia? E a lua também muda, mas cadê os louvores senão na voz da crônica? Felicidade sazonal, só há alegria um dia, e depois ela termina? Crônica ice cream.

Finda-se a cônica. Logo é outra segunda-feira no pôr do sol sobre as lagoas Mundaú e Manguaba. Você vai ao mercado público; nas bancas de peixe compra um filé de salmão, e vai depois ao supermercado. Nas gôndolas dos vinhos, escolhe a sua garrafa de Chardonnay para harmonizar. No estacionamento, dirige-se para casa e, no engarrafamento, refaz a segunda-feira de trabalho.

É bom estar em casa de novo. Não há romaria melhor. Nada se compara a estar em casa, onde a felicidade espera na calçada. Ficar longe, não funciona, por mais que reluza, ainda assim não é ouro, mas pérola em focinho de porco. Em casa, o som do soneto toca na playlist, e espera, como a luz acende à vontade em atrair libélulas. Em casa está a paz verdadeira em volta à mesa, às vezes sentada no sofá.

Em casa, desenho esta cidade, Maçayó antiga, em telas de abstratos geométricos. Descartes ensina-me a ser cartesiano, porque o espaço é o espaço que delimito. A cidade é uma odisseia, no dizer de Odisseu a Homero. Após Peloponeso e a Guerra de Troia, volta Ulisses à Ítaca. Penélope espera-o, na literatura grega. Se há de se fazer, faça aqui onde se vive. O tempo muda o lugar, e Gaitas Hering, hoje, é apenas uma praça. Maceió não. A cidade de Maceió não é cidade, é cartão-postal.

(*)Autor da peça “História de Santana do Ipanema no método Teatro-Feijão-Com-Arroz”.

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