FRANCISCO JULIÃO

Crônicas

Por Carlito LIma

Julião - Fidel Castro e Alexina (esposa)

Criador, incentivador, organizador das Ligas Camponesas, o advogado Francisco Julião era um dos mais temidos comunistas, tinha o poder de liderança, organizador das massas rurais, e supostos armamentos em mãos.
As Ligas Camponesas eram núcleos organizados politicamente entre os trabalhadores rurais, com o objetivo de defender seus interesses, lutar pela reforma agrária. Juntas, formavam um grande contingente no interior de Pernambuco, principalmente na Zona da Mata, onde está instalada a maioria das usinas de açúcar do Estado de Pernambuco.
Julião foi o advogado organizador, o mentor, o líder dessas Ligas. Quando preso colocaram na solitária, onde passou as primeiras semanas. Eu imaginava Julião ser uma pessoa agitada, entretanto, senti tranquilidade e convicção naquele homem magro, barba rala. Dizia-me, aquela prisão, tudo por que estava passando, faziam parte da vida de revolucionário que escolhera. Estava preso por ser o destino de quem vive pelo ideal de ver um dia o socialismo vencer e transformar o mundo. Foi um dos presos que mais me impressionaram, tinha um carisma contagiante.
Na Segunda Companhia de Guardas não havia tortura física, entretanto, a solitária quebrava a resistência e a força psíquica de qualquer homem. Julião parecia viver aquela situação com muita resignação, mantinha sempre o moral elevado.
Numa conversa informal, o sargento Tarcísio contou-me, devido ao fato de Julião tê-lo feito ficar de prontidão por muitos dias durante as agitações em Pernambuco, fez com ele a “banana russa”. Quando de ronda no serviço, acordou-o de madrugada, levou duas bananas na mão, afirmou, uma estava envenenada com estriquinina injetada, causava morte rápida por uma pequena mordida, a morte parecia um enfarte. Ele escolhesse uma das bananas para comer. Julião tranquilo, imediatamente pegou uma das bananas, encarou o sargento, descascou e lentamente a comeu. Quando acabou, pediu a outra e, com a mesma calma, repetiu todo o ritual. O sargento nunca soube se Julião, com aquele gesto, queria enfrentar logo a morte ou se gozava da sua cara.
Um dia, o sargento Lúcio, de serviço, me consultou, dei o aval para mostrar a fotografia da neta de Julião, nascida naqueles dias. Quando viu a foto da netinha, não conteve a emoção. Depois, quando as visitas foram permitidas, ela sempre vinha às quartas-feiras. Arranjei papel e caneta, ajudei a Julião escrever o livro "Até Quarta, Isabela", contando histórias da cadeia.
Em entrevista ao Pasquim, quando estava no exílio, Julião fez várias referências à sua prisão na Segunda Companhia de Guardas.
Henfil- Que quartel foi esse?
Julião - 2ª Cia de Guardas. Passei mais de 40 dias. Aí sim, interrogatórios, botar no canto da parede, simular que vai meter a metralhadora, soldados passeando pra lá e pra cá de metralhadora. Vivi uns 50 dias isolado numa cela muito pequena, onde comecei a perder resistência física.
Henfil- Comida ruim?
Julião- Péssima. Vinha um pouco de feijão com muita pedra... Colecionei essas pedras como se fossem preciosas, havia umas maiores outras menores, uma maravilha... Mas perdi muita força. Como tinha propensão a baixar a pressão arterial, tinha dias que não havia condições de levantar. A cela era muito pequena. Até que veio um oficial e me viu assim deitado: “Que passa com você?”. “Mire capitão, sei que vocês estão me dando um tratamento para me matar pouco a pouco, mas depois de morto vão me tirar daqui em circunstancias curiosas. Da grade para parede tem 50 cm e eu tenho 1,60m. Vão ter que me tirar de pé”. Ele não disse uma palavra. Saiu e uma hora depois chegou um médico: “O que você tem?” “Não tenho forças. Devo estar com a pressão arterial muito baixa”. “Seu problema é comida. Se você tivesse quem fornecesse comida, eu buscaria uma forma de aceitarem.". Dei o endereço de minha irmã e passei a receber uma garrafa de leite por dia.

* TRECHO DO LIVRO "CONFISSÕES DE UM CAPITÃO", LANÇAMENTO DOMINGO (3) ÀS 19 HS. NO ESTANDE A EDITORA VIVA -VI BIENAL DO LIVRO DE ALAGOAS

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