VIDAS SECA EM CORDEL

Versos e Prosas

Cristóvão Augusto

Em meio à terra seca
E à paisagem hostil
Retratando com firmeza
O Nordeste do Brasil
Um casal, dois meninos
Um animal doentio

Se mandaram neste mundo
Sem rumo sem documento
Com muita fome e cede
Todos ao mesmo relento
Por fim encontraram um canto
A fim de passarem tempo

Era uma fazenda velha
Totalmente abandonada
O curral era deserto
O chiqueiro, sem morada
Porém, ali tava bom
Para abrigar a cambada

Fabiano se orgulhava
Venceu as dificuldades
Agora era vaqueiro
Daquela propriedade
Contudo, aparece o dono
E muda a realidade

Virou logo empregado
Servindo a seu patrão
Não achando outra saída
Essa era a solução
Para segurar seu povo
Em um pedaço de chão

Que situação mais triste
Se sentia um animal
Buscou tanta melhoria
No fim, só terminou mal
Parecia mais um bicho
Era humilhação total

Depois veio a confusão
Será forte? Ou será fraco?
Venceu uma grande batalha
Depois se viu no fracasso
Eita oscilação constante
Pense que quebra-de-braço

Por hora o importante
Era só sobreviver
Depois se planeja um pouco
E se pensa o que fazer
Encontrar a solução
Não é fácil, pode crer

Fabiano vai à rua
Comprar alguns mantimentos
Querosene, chita rubro
E outras coisas de momento
Falta qualidade e preço
Isso lhe causa tormento

Resolve beber um pouco
Na bodega de Inácio
Nisso aparece um soldado
O seguindo no compasso
E o convida para um jogo
De cartas, sem embaraço

Os dois perdem o dinheiro
O que irrita o soldado
Provocando Fabiano
Que já partia calado
Essa idéia do jogo
Não foi mesmo bom agrado

Soldado provocador
Pisa no pé do vaqueiro
Barra a sua passagem
Ta querendo um desmantelo
O peão até se aguenta
Os insultos são grosseiros

Por fim, esquenta a cabeça
Xinga a mãe do soldado
O destacamento em volta
O deixa desconfiado
E o bota na cadeia
Empurrado e humilhado

No xadrez, fica pensando
No que tinha acontecido
Ele não fizera nada
Nem matado nem batido
No soldado amarelo
Que era bem merecido

Em meio a indagações
Enfureceu-se, acalmou-se
Protestou sua inocência
Com um bêbado enraivou-se
E também com uma quenga
Que em outra cela instalou-se

Pensou em sua família
Se não fosse Sinhá Vitória
E as suas criancinhas
Que não saem da memória
Teria feito besteira
Ali mesmo sem demora

Sinhá Vitória tinha um sonho
Ter uma cama de couro
Seu Tomás da Bolandeira
Já tinha esse tesouro
Mas Sinhá, sem ter dinheiro
Só faltou cair no choro

Tinha um inconformismo
Com aquela situação
Ao contrário do marido
Vaqueiro de coração
Que aceitava de tudo
Sem nunca dizer um “não”

O menino mais novo tinha
Em si um grande ideal
Ser igualmente ao pai
Perfeitamente igual
Imitar suas ações
Nesse mundo infernal

Matar cabras, espichar-se
Em uma cama de vara
Trazer uma faca na cinta
Fumar cigarros de palha
Calçar sandália de couro
E nos pés amaciá-la

Já o menino mais velho
Quis saber de uma palavra
“O que quer dizer inferno?”
Mas ninguém o ensinava
Perguntou a sua mãe
Que quase lhe espancava

Buscou aprender sozinho
Por própria dedicação
Pois precisava saber
Pra usar com perfeição
Em todo seu dia-a-dia
No seu pedaço de chão

Começa o tempo chuvoso
É noite torrencial
Fabiano conta histórias
Os garotos passam mal
Grande frio, mas que tristeza
Que inverno glacial

É tempo de alegria
Comemora-se o natal
Roupas novas e sapatos
São algo de anormal
Todos vão para a cidade
Mostrarem o visual

Sentiram-se inferiores
Em meio à situação
Era uma diferença
Dessa gente pra o povão
Se compare a dois mundos
Um em pé, outro no chão

Baleia, sua cadela
Adoece sem demora
Cai-lhe o pelo, está magra
Isso é algo que apavora
O corpo cheio de chagas
Veja que cruel história

Temendo que a cadela
Passe a doença pros filhos
Fabiano quer matá-la
Para livrar o perigo
Mete chumbo na coitada
Nesse ente tão querido

Fabiano é enganado
Em seu acerto de contas
O patrão logo se irrita
Quando a dúvida se monta
Pensa até em demiti-lo
Na hora que se confrontam

O vaqueiro se humilha
Pede desculpa ao patrão
Mesmo sendo enganado
Volta atrás, pois é peão
A opressão predomina
E a dor no coração

Um ano após a prisão
O peão vê o soldado
Magrinho e amarelo
No entanto, enfezado
Teve medo do vaqueiro
Que era desengonçado

Fabiano quis vingança
Esse era um desmantelo
Contudo, se acalmou
E não fraquejou em vê-lo
Ajudando ao soldado
Que era homem do governo

A família se prepara
Para ir mundo a fora
Mais um período de seca
Ta chegando sem demora
São as aves que anunciam
Esse tempo que vigora

A partida da família
Do velho e pobre torrão
Deixa pra trás uma dívida
Junto do cruel patrão
Não tendo como pagar
Fugir é a solução

Nutrindo suas esperanças
Na vida numa cidade
Misturando muitos sonhos
Em meio à realidade
A família vai embora
Procurar felicidade

Com isso Graciliano
Mostra o que é Nordeste
Terra de mulher guerreira
E também “cabra-da-peste”
Esperança e sofrimento
Escritos por quem conhece

Comentários