“Por Dezembros atravesso oceanos e desertos, vendo a morte assim tão perto, minha vida em tuas mãos. O trem se vai na noite sem estrelas. E o dia vem, nem eu, nem trem, nem ela...”, diz uma canção. Observo os tantos contrários do mês de dezembro. Tanta correria, tanta gente apressada, tanto alvoroço e nem sabemos ao certo por quê. Penso e tento me conter a essa ansiedade, em vão. Sou levado a contragosto. Onde está a beleza no artifício da cidade? Escolhas se fazem. Não temos tempo para infelicidade.
É noite. Saímos Pedro e eu, andando por aí, por caminhos incertos, investidos de silêncio e presença que dispensa palavras, andando pela rua a esmo, sem muita pressa, aproveitando para apreciar tudo atentamente; as ruas, amendoeiras, céu, estrelas e ilustres desconhecidos que passavam apressados de um lado para outro.
Mandei lustrar meus olhos embotados com colírio da meia idade, embevecido pelas experiências vividas. Tudo na rua apresentava-se solene, arrebatador e digno de reverência. Aos poucos, chegamos à praça. Ali muita gente se ajuntava ao redor do vendedor de espetinhos instalado no local. O cheiro forte de carne assada e o fumaceiro chamavam a atenção de todo mundo. O alarido do povo fez-me lembrar de que ali havia uma festa anônima, e nós, convidados de honra.
Pedro com seus olhos de jabuticaba diz: Quero um espetinho! Fui tomado pela surpresa daquela ordem e não ousei questionar. Faça-se a sua vontade! Pois sim! Tratei de comprar um espetinho de carne. Fizemos de assento o canteiro da praça e ali começamos a degustar como se fosse um manjar. Compramos também um refrigerante. Dividimos não só o canteiro da praça que servia de assento, bem como o improvisado churrasco. Por um breve momento tudo se fez um. A infinitude daquele momento guardo nos olhos.
Enquanto esperava o Pedro degustar seu lanche, fui tomado pela sensação de paz interior. Fiquei absorto em pensamentos vendo a grandeza do momento: o alvoroço de tanta gente ao redor do espetinho, a fumaça que subia aos céus e a família que estava ao nosso lado. Bem próximo, à porta da igreja, um maltrapilho era levantado com dificuldades por duas mulheres que se ofereceram para a tarefa solidária de tirá-lo dali e levá-lo de volta pra casa.
De tanto olhar o céu vi uma estrela cadente deslocando-se rapidamente e, como diz o ditado popular, prontamente fiz o meu pedido: Discernir o instante de felicidade que se revela na fugaz e eterna existência humana. Da resposta instantânea, veio à afirmação de que a felicidade se descortina e se deixa apresentar quanto você é capaz de deixá-la ir embora e querer que fique ao mesmo tempo. Momentos de desprendimento e compreensão da unicidade cósmica. De descuidos das formalidades e do constante exercício de gratidão.
Pedro ainda comia seu espetinho. Eu olhava-o com olhos de compreensão e admiração de quantas gerações nos separam e que talvez ainda não tenha condições de gravar a importância daquele instante de companheirismo. Da satisfação de estar ao seu lado vendo a maravilha que é viver e estar em paz no limiar existencial.
Desejei viver tantos dezembros, quantos os que até agora vivi. O futuro a Deus pertence. A vida é presumivelmente imprevisível. Por isso, eternizar um momento em algumas poucas palavras torna-se um desafio imenso. Pedro e as pedras testemunharão... Como disse Goethe, sábio é quem consegue criar para seu uso, “raízes e asas”, arte de infinitas possibilidades. Quanta coisa acontece num curto espaço de tempo se a gente for intencionalmente atento à observação. O céu é o limite.
Dezembro de 2009
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