O GOLFO E CHERNOBYL

Djalma Carvalho

Há um antigo ditado que diz que esmola grande cego desconfia. Imagino que esse ditado já esteja em desuso, perdido no tempo, porque cego não é mais tratado como tal, mas como deficiente visual, e que, se for pobre e devidamente assistido pela Previdência Social, não mais será visto a pedir esmola.
Acabo de ler, com a natural preocupação de alagoano, nota publicada em O Jornal, segundo a qual o relatório técnico emitido pela estatal Eletronuclear teria indicado as margens do rio São Francisco como “locais ideais para a instalação de duas usinas nucleares em solo nordestino”. Acrescenta, ainda, a nota que Alagoas estaria entre os quatro estados que disputam os bilionários investimentos.
Pobre Alagoas e pobre rio São Francisco.
Pobre Alagoas que desponta com o maior índice de violência e de analfabetismo do Brasil, com denúncias de corrupção e farra de dinheiro público. Pobre Alagoas de generosos duodécimos deferidos, de concentração de renda e de riqueza em mãos de poucos. Pobre Alagoas de índices perversos de pobreza e de mãos infantis estendidas em nossos semáforos. Pobre Alagoas de arrastões e assaltos.
Pobre e sofrido Rio da Unidade Nacional que abastece cidades e mais cidades desde a serra da Canastra até sua foz no Peba, aqui em Alagoas, irrigando produtivas glebas e alimentando a população ribeirinha. Pobre São Francisco que clama por revitalização de suas margens, matas ciliares e afluentes, e que começa a morrer, ainda que diante de faraônicos projetos de desvio de suas águas cristalinas.
Vale lembrar, a propósito da notícia e desses bilionários investimentos, que em 26 de abril de 1986 ocorreu o maior acidente nuclear da história da humanidade, com a explosão de um reator da usina de Chernobyl, na então União Soviética. Segundo Jean-Pierre Dupuy, autor do livro Retorno de Chernobyl, Diário de um Homem Irado, e textos de outros autores divulgados na Internet, o acidente “liberou para a atmosfera 400 vezes mais material radioativo do que a bomba atômica de Hiroshima. Cinco milhões de hectares de terra foram inutilizados e houve contaminação significativa de florestas.” Calcula-se em centenas de milhares de mortos e seiscentos mil afetados pelas radiações. Até então ninguém acreditava numa tragédia dessa magnitude.
Em certa ocasião de justificado ressentimento, o genial Graciliano Ramos teria desejado que Alagoas fosse transformada em um golfo. Apesar dessa mágoa, com certeza ele não desejaria que uma usina nuclear fosse instalada em território alagoano, mesmo com toda a garantia técnica de que aqui um acidente de tal natureza jamais viesse acontecer.
Antes de se pensar, afinal, em maior produção de eletricidade com a instalação dessas usinas nucleares no Nordeste, o governo poderia cogitar em ampliar o potencial de Angras dos Reis (criando, por exemplo, Angra IV e V), ali fazendo, com maior segurança e experiência, esses investimentos ditos bilionário e dali servindo com energia o Nordeste e outras regiões do País.
Apesar de tantas mazelas e dos índices que, negativamente, avaliam sua economia, Alagoas não merece empreendimento dessa natureza e risco, ainda que conte com a promessa de geração de milhares de empregos diretos e indiretos. Tampouco a ribeirinha população são-franciscana.
Maceió, fevereiro de 2010.

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