O caos boliviano

Adriano Nunes


Quem se declara presidente de uma nação, sem ter sido eleito, repete o gesto que muitos autocratas e tiranos fizeram ao longo da história humana. Ou pela força ou pela oportunidade, muitos subiram ao poder porque demais o almejavam. Essa Wille zur Macht, enraizada no espírito desses servos da ambição desmedida, pode ser detectada, de algum modo, na declaração oportunista da senadora boliviana Jeanine Añez ante a crise política na Bolívia.

As alas políticas conservadoras da América Latina não são conservadoras, sob diversas perspectivas e análises políticas. Elas apresentam um discurso que quer se identificar com o conservadorismo, mas isto é uma artimanha sub-reptícia ao que parece. Não é por que se exterioriza um discurso em que a palavra "conservadorismo" apareça o tempo todo que torna alguém ou uma ideologia conservadores. Não é, por exemplo, o fato de a boca estar cheia da palavra "liberdade" que se será um liberal. Neste sítio latino, o "conservadorismo" está alinhado, de alguma maneira, mais ao fundamentalismo e ao obscurantismo, à intolerância, isto é, identifica-se mais com a extrema direita, que sempre teve viés ideológico racista e xenofóbico, do que com o conservadorismo de Burke, de Joseph de Maistre, ou de qualquer sério teórico conservador.

O governo de Evo Morales é passível de críticas? Muitas! Inúmeras! Pode ter havido fraude nas eleições? Pode. E, ao que tudo parece indicar, houve sim. Assim não constatou a OEA? Até que ponto a OEA tem interesses no resultado das eleições bolivianas? Não sabemos, ao certo! Assim não foi solicitado pelo próprio Evo que fizesse uma auditoria, que convocaria novas eleições? Todavia, a imposição das Forças Armadas e de grupos extremistas exigindo a renúncia do Presidente Evo e não meras novas eleições nos aponta para um horizonte analítico que jamais se confunde com medidas democráticas. Isso, de algum modo, reforça a narrativa política das esquerdas e de alas moderadas não-esquerdas de que houve um golpe de Estado.

Golpes de Estado podem ser de esquerda ou direita. Todos tendem a convergir para governos autoritários, como demonstram exemplos históricos. No caso da Bolívia, as alas autoproclamadas conservadoras, de extrema-direita, com o apoio das Forças Armadas, promoveram não apenas rebeliões e tumultos civis. Tais segmentos agiram com o intuito de intimidação, através do terror e do medo, promovendo incêndios em lares de inimigos políticos bem como outros tipos de violências, inclusive física letal. Ah, e em nome de Deus! Ouviram atentamente o discurso de Camacho ao adentrar na Sede do Governo? Como poderíamos classificar tais atos senão como protofascistas?

Quanto ao emprego do uso da força e da violência para a tomada de poder, em democracias, a História tem também evidenciado que, aqueles que assim procedem, perdem o poder também sob uma violência exacerbada, porque os cidadãos e cidadãs ficam silenciados e inertes ante o terror por pouco tempo, período necessário, quase sempre, para fazer reflexões reflexivas vitais à sobrevivência da democracia e da dignidade de cada pessoa individualmente. E mais: a consciência coletiva de estar um povo subjugado sob violência invade a consciência existencial individual, sob certa perspectiva, fazendo com que cidadãos e cidadãs não aceitem mais compactuar com aquilo que eles/elas identificam com injustiças e desumanidades. A História real dos autoritários e tiranos nunca teve final feliz.


Adriano Nunes

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