Crítica racional sobre a decisão de Fachin

Adriano Nunes

O grande problema jurídico dessa decisão tardia é: independentemente da culpa ou inocência de Lula, da parcialidade de Moro ou de alguns integrantes do MP, por que um réu ficou preso 580 dias sem que se definissem questões de competência, o que é tout court um absurdo jurídico. Ou seja: formalmente, o Direito Processual tem regras que devem ser aplicadas para impedir abusos, arbitrariedades e injustiças. Se o mérito, a materialidade, irá dizer, sob provas, que um réu é inocente ou culpado, antes disso, precisam existir bem definidas certas garantias formais inafastáveis, entre elas a definição da competência do juízo, principalmente quando se trata de Direito Penal em que a liberdade das pessoas está em jogo, sob o arbítrio de um juiz, um ser repleto de influências, ideologias, predileções, crenças.

O Judiciário precisa rever muitos pontos importantes em sua estrutura. É inadmissível que questões formais sejam debatidas depois que um réu passa mais de 1 ano preso, para, somente assim, descobrir-se juridicamente que o juízo é incompetente. Esse, sim, é um problema sério do ponto de vista jurídico. Formalidades devem estar bem estabelecidas para evitar tribunais de exceção ou tribunais ad hoc para livrar amigos e companheiros quando as formalidades jurídicas assim “permitirem” ou quando o momento parecer propício para tanto. A mim, neste momento, preocupa-me a demora para se decidir e definir onde um réu realmente deveria justamente ser julgado. Se houve brechas para a dúvida fincar-se, então que o Direto Processual retire-as do Ordenamento Jurídico, assegurando segurança e racionalidade a cada julgamento.

Por que se demorou tanto para decidir sobre a competência? Por que se deixou uma pessoa virar cobaia de certos espetáculos midiáticos, ainda que possa vir a ser culpada, por mera demora com formalidades jurídicas que deveriam fazer parte já do início de todo e qualquer processo? A justificativa de que ainda faltavam elementos para tal decisão parece lamentável. O que realmente faltava? Por que se permitiu ir adiante se nem mesmo um passo formal estava bem delimitado? A quem ou a quais forças e poderes sociais interessou tal andar das carruagens?
Compreendo a alegria dos petistas e lulistas. Todavia, fechar os olhos para os atos de corrupção que aconteceram nos governos petistas (inclusive com a participação de pessoas ligadas ao partido, cujos processos têm confissões e devolução de dinheiro público), parece-me aquela mesma paixão acrítica de uma religião política que veementemente critico nas alas extremistas. Populismo, manutenção ad aeternum de um mesmo partido no poder, de um mesmo Presidente não caracterizam uma legítima democracia, ainda que sejam possíveis em uma democracia.

Todos sabem bem que o impeachment de Dilma foi um jogo de forças políticas, por causa das falhas dela como governante. Ali, ficou claro o quanto essas forças agiriam e agiram para conquistar o poder. Já comentei, aqui, que considerava os julgamentos de Lula, de algum modo, maculados por vícios jurídicos e políticos. Isso é uma coisa. Outra coisa (e a decisão de Fachin trata disso, de competência e não de mérito. Não trata de inocência ou culpa!) é acreditar cegamente que nunca houve nenhum tipo de corrupção nas esferas petitas. Tenho amigos lulistas, ciristas e bolsonaristas: muitos idolatram os seus políticos e partidos com a incapacidade de tecer quaisquer tipos de crítica ou encarar a frio as realidades fatuais. Sigamos. Que a democracia sobreviva, além dos populistas, extremistas e das oligarquias nocivas ao bem público. Assim, Fachin decidiu:
"Ante o exposto, com fundamento no art. 192, caput, do RISTF e no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, concedo a ordem de habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das Ações Penais n.5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá), 502136532.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia), 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula), determinando a remessa dos respectivos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal. Declaro, como corolário e por força do disposto no art. 567 do Código de Processo Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios."

Adriano Nunes

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